segunda-feira, 26 de abril de 2010

Artigo sobre Alice no País das Maravilhas

Artigo escrito por mim e pela professora Maria Zilda disponível em:

http://www.revistasetefios.com.br/?p=3138


Eros e Psique

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

(Fernando Pessoa - Publicado pela primeira vez in Presença, n.os 41-42, Coimbra, maio de 1934.)

Trechos do livro do Huizinga sobre poesia e jogo

Na aula sobre o lúdico, falei um pouco sobre os conceitos de Huizinga. Abaixo, copiei alguns trechos do livro para vocês terem uma idéia e acrescentarem no relatório se quiserem. A referência bibliográfica do livro está embaixo do texto.. Recomendo que procurem o livro (tem na biblioteca!).


______________________________________


- O jogo é fato mais antigo que a cultura. Mesmo em suas formas mais simples, ao nível animal, o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. Esse fato implica a presença de um elemento não material em sua própria essência.

- A existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização, ou a qualquer concepção do universo. Todo ser pensante é capaz de entender à primeira vista que o jogo possui uma realidade autônoma, mesmo que sua língua não possua um termo geral capaz de defini-lo.

- As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início, inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da linguagem, esse primeiro e suprimo instrumento que o homem forjou a fim de poder comunicar, ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite distinguir as coisas, defini-las e constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao domínio do espírito. É como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um mundo poético, ao lado da natureza.

- Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.
A função do jogo, nas formas mais elevadas que aqui nos interessam, pode de maneira geral ser definida pelos dois aspectos fundamentais que nele encontramos: uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa. Representar significa mostrar, e isto pode consistir simplesmente na exibição, perante um público, de uma característica natural. A representação sagrada é mais do que simples realização de uma aparência é até mais do que uma realização simbólica: é uma realização mística. Algo de invisível e inefável adquire nela uma forma bela, real e sagrada.

- Toda poesia tem origem no jogo. Até que ponto se mantém esta qualidade lúdica da poesia, à medida que a civilização vai se tornando mais complexa?

- Tripla relação: poesia, mito e jogo. O mito é sempre poesia. Trabalhando com imagens e a ajuda da imaginação, o mito narra uma série de coisas que se supõe terem sucedido em épocas muito recuadas. Pode revestir-se do mais sagrado e profundo significado. Pode ser que consiga exprimir relações que jamais poderiam ser descritas mediante um processo racional. Mas, apesar das características sagradas e místicas que lhe são próprias na fase mitopoética da civilização, isto é, apesar da absoluta sinceridade com que era aceite, continua de pé o problema de saber se alguma vez o mito chegou a ser inteiramente sério. Creio que podemos pelo menos afirmar que mito é sério na mesma medida em que a poesia também o é. Tal como tudo aquilo que transcende os limites do juízo lógico e deliberativo, tanto o mito como a poesia se situam dentro da esfera lúdica. Isso não faz do mito inferior, pois pode ser que sob essa esfera lúdica, ele consiga atingir uma penetração muito além do alcance da razão.

- Jogo e Poesia: Os elementos formais da poesia são numerosos e variados: estruturas métricas e estróficas, rimas, ritmo, assonância, aliteração, acentuação, etc., e formas como o lírico, o dramático e o épico. Por mais variados que possam ser estes fatores, mesmo assim eles se encontram em toda a parte do mundo. O mesmo acontece com os motivos da poesia que, por mais numerosos que possam ser em qualquer língua, aparecem em toda parte e em todas as épocas. Essas estruturas, formas e motivos são-nos de tal modo familiares que não nos interrogamos sobre sua existência e raras vezes pensamos em inquirir qual é o denominador comum que os leva a ser como são e não de outra maneira. Esse denominador comum a que se deve a surpreendentemente uniformidade e limitação dos modos de expressão poética em todas as épocas da sociedade humana, talvez possa ser encontrado no fato de a função criadora a que chamamos poesia ter suas raízes numa função ainda mais primordial do que a própria cultura, a saber, o jogo.
Enumeremos uma vez mais as características que consideramos próprias do jogo. É uma atividade que se processa dentro de certos limites temporais e espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado número de regras livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da utilidade material. O ambiente em que ele se desenrola é de arrebatamento e entusiasmo, e torna-se sagrado ou festivo de acordo com a circunstância. A ação é acompanhada por um sentimento de exaltação e tensão, e seguida por um estado de alegria e de distensão.
Ora, dificilmente se poderia negar que estas qualidades também são próprias da criação poética. A verdade é que esta definição do jogo que agora demos também pode servir como definição da poesia. A ordenação rítmica ou simétrica da linguagem, a acentuação eficaz pela rima ou pela assonância, o disfarce deliberado do sentido, a construção sutil e artificial das frases, tudo isto poderia consistir-se em outras tantas manifestações do espírito lúdico. Não é de modo algum uma metáfora chamar à poesia, como fez Paul Valéry, um jogo com as palavras e a linguagem: é a mais pura e exata verdade.
Não é apenas exterior a afinidade existente entre a poesia e o jogo; ela também se manifesta na própria estrutura da imaginação criadora. Na elaboração de uma frase poética, no desenvolvimento de um tema, na expressão de um testado de espírito há sempre a intervenção de um elemento lúdico.

- A finalidade do escritor, consciente ou inconsciente, é criar uma tensão que “encante” o leitor e o mantenha enfeitiçado. Subjacente a toda escritura criadora está sempre alguma situação humana ou emocional suficientemente intensa para transmitir aos outros essa tensão. Em termos gerais, pode-se dizer que essas situações surgem do conflito ou do amor, ou da conjunção de ambos.
Ora, tanto o conflito quanto o amor implicam rivalidade ou competição, e competição implica jogo. Na grande maioria dos casos, o tema central da poesia e da literatura é a luta – isto é, a tarefa que o herói precisa cumprir, as provações extraordinariamente difíceis por que ele tem que passar. Em geral, ela é empreendida em conseqüência de um desafio, de uma promessa ou de um capricho da pessoa amada. Todos esses temas nos conduzem de volta ao jogo agonístico. Uma outra série de motivos de tensão assenta no disfarce do herói. Ele se apresenta incógnito quer por estar deliberadamente ocultando sua identidade, ou por ele próprio a desconhecer, ou ainda, porque é capaz de mudar sua aparência conforme sua vontade. Em outras palavras, ele usa uma máscara.



(trechos do livro: HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2008)

Para Criar Passarinhos











texto do Bartolomeu Campos de Queirós


Ao receber o convite para estar neste encontro “Prazer em Ler”, passei a perseguir uma idéia. O que falar, nesse seminário, diante de especialistas que são minhas referências teóricas, que alimentam com criativas considerações o meu trabalho prático e toda a produção para a infância no país? Mas, por considerar os humanos como seres das relações, eu não poderia me negar o privilégio de estar ao lado dos senhores e senhoras, uma vez que sou movido pelo afeto, e não me recuso escutá-los. Meu prazer maior tem sido estar perto de pessoas que me são queridas.
Em minha perseguição veio a lembrança dos ensaios definitivos de Marina Colasanti: Fragatas para terras distantes (Global). Diante deles me surgiu a confirmação de que pouco eu tinha que dizer sobre as funções da leitura e os caminhos de cada um para se tornar leitor. Marina, em todo o seu trabalho, me surpreende e me interroga. E agora, quanto mais suponho que ler é superior a escrever, em vez de pensar no que dizer, reli os ensaios de Marina. E, ao reler, me assusto com o tamanho da minha distração. Reler me espanta do que me passou despercebido. Reler um bom texto é sempre rejuvenescer. E continuei a perseguir, em vão, uma nova idéia.
Se pelo afeto estou aqui, foi também pelo afeto que deixei as salas de aulas, os escritórios de assessorias, os gabinetes de administrações públicas, e que os meios continuam sendo mais importantes que os fins, e me fixei num trabalho que busca o fazer estético-literário como espaço primordial das relações. O livro de literatura sempre nos escuta atenciosamente. Se construído de palavra e fantasia, ele também nos dá a palavra e espaço para exercitar nossa fantasia de leitores. Umberto Eco reflete bem sobre tal aspecto em seu livro Obra aberta. O texto literário acorda paisagens no coração do leitor, onde o escritor nunca esteve.
Acredito que no encontro do leitor com o escritor – tendo o livro literário como suporte – uma terceira obra é construída, e esta jamais será escrita. Daí meu respeito à literatura pela sua sutileza em promover um dialogo subjetivo, íntimo, secreto e bem próximo da delicadeza com que os humanos gostam de ser tratados. Nascemos para ser adivinhados, e a literatura lê nosso desejo. Um dia li em Shakespeare:

Saibas ler o que o mudo amor escreve,
Que o fino amor ouvir com os olhos deve.

Minhas considerações aqui não são teóricas, nem deveriam sê-lo. Elas parte de reminiscências, de pequenas crenças nascidas ao longo do meu trabalho. São confissões que faço a amigos que acreditam, como eu, em outras alternativas para que o humano se aproprie, sempre mais, de sua própria humanidade. E isso só ocorre à medida que as relações são de liberdade, como são as do livro para o leitor.
Desde menino o silêncio foi meu amigo. Sempre vivi atordoado com o escândalo que é viver, sem ter ainda lido Camus. Carregava a pedra sem conhecer o pecado. Entre o silêncio encontrado nas sombras dos quintais, nas margens dos córregos, debaixo das mesas, eu conversava comigo sobre os mistérios. Mas jamais quis decifrá-los, apenas encantar-me. Todo pouco que sei aprendi com as leituras que o silêncio me permite, ainda hoje, fazer. No silêncio nós somos sujeitos sem fronteiras. Nunca aprendi a divisão do mundo em pedaços. O inteiro foi sempre minha ambição.
Eu suspeitava, já naquele tempo, que o hoje só me “é possível reinventado”, que inexiste uma conversa sem palavras, mesmo se impedida ainda de se fazer sonora para não romper o precioso vazio exterior. E as palavras foram meus objetos de brincar, de alterar o real, de trapacear com os incômodos. Elas ocupavam meus cômodos interiores e se mentiam ser silêncio. O silêncio é um estado operatório. Estar em silêncio é estar sem trabalho. Em criança, buscava entender a língua dos animais. Não poderia existir vida sem palavras, eu suspeitava.
Sempre me pareceu impossível viver sem as palavras. Por meio delas eu me encantava com seus poderes de alterar o real, que ainda hoje me engana e me trapaceia. Freqüentemente desconfio do real. já pensava que tudo está em vias de ser, sem conhecer o existencialismo de Sartre. Nem desconfiava que só se “é” quando definitivamente morto. Buscava decifrar, adivinhar o que havia antes e depois do real. Para mim a realidade sempre foi um ponto de partida, mesmo sabendo que só há uma definitiva e pesarosa linha de chegada.
O riacho doce, manso e estreito do meu quintal me fazia imaginar o mar imenso, salgado, mas para ser assim extenso era preciso estar abaixo de todas as águas, abaixo do meu riacho. Com as palavras, morando no meu silêncio, eu podia realizar quase o absoluto dos meus desejos. Com a palavra, tudo o que é pensável é possível. Meu mundo, tão vasto em incertezas, cabia nas minhas palavras. Sabemos, sem vacilar, onde reside a alegria ou a tristeza. Já no ato de nascer aprendemos a diferenciar a dor do prazer. Não existe escola melhor para ensinar essa dicotomia do que a própria vida. Mas é preciso palavra para nomear onde dói.
E sempre que a vontade de mudar as coisas me visitava, fazia-se necessário elaborar uma nova linguagem. Meu espanto por descobrir que a linguagem é que muda o mundo me fazia mais seu amante. E ainda agora, enquanto falo, sei que as áreas de conhecimento – a política, a educação, a economia – só vão descobrir novos caminhos se a palavra abrir diferentes percursos. Octavio Paz nos diz: “Esquece-se com freqüência de que, como todas as outras criações humanas, os impérios e os Estados estão feitos de palavras: são feitos verbais”. Desde sempre foi a palavra que organizou o caos. Freud bem praticou esse ato, ao acreditar que a palavra pode nos curar. E no absurdo em que vivemos no momento, em que as palavras não andam merecendo créditos, só novas palavras poderão revitalizar e resgatar a nossa esperança. É que as palavras transitam da realidade ao sonho sem pedir licença e movidas pela liberdade. Sem a liberdade jamais germinariam novos tempos. As palavras costuram a razão ao charme da loucura sem se importar com a desconhecida extensão dos mistérios. Daí Cecília Meireles nos confidenciar em Minas:

Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem
- sois um homem que se enforca!

Desde sempre eu cismava o mundo. Para possuí-lo em mim eram necessárias as palavras. E, se as desconhecia, inventá-las era meu ofício. Para acomodar as emoções, como fazem as crianças, criando sons para matar a sede, solicitar colo, saciar a fome, ou sussurrar “mãe”, eu inventava ruídos para os meus desassossegos. Li em Affonso Romano de Sant’Anna.

Às vezes, é preciso internalizar-se
na escuridão da pedra
para merecer um raio de luz.

Um dia, as palavras que viviam no meu silêncio passaram a ganhar vôos, a se livrarem da minha prisão. Exilavam-se, mundo afora, sem promessa de retorno. Mas sempre foram de dúvidas os meus dizeres. A dúvida é a minha verdade. Tal ato só foi possível ao descobrir que as coisas existiam independentemente de mim, e como ter acesso à verdade que está fora de mim? Minha tarefa passou a ser atribuir novos sentidos ao pressuposto real. e, esse novo sentido era buscado na minha fantasia. Mas a alegria de perceber que todo real é uma fantasia que ganhou corpo me acalentava. E, depois, fantasiar é experienciar a liberdade. Quem fantasia exige conviver em liberdade.
E a memória, armazém do vivido e do sonhado, me tranqüilizava e me encantava por estar sempre sendo atropelada pela fantasia. De outra forma, viver seria um acúmulo sucessivo de culpas, pois o tempo não tem marcha à ré, mas a fantasia, interferindo na memória, nos aconselha cuidados com o futuro. E não se põem freios na fantasia. E, depois, me desculpem, fantasiar é tentar se livrar das culpas.
Se a desconfiança na exatidão do real me sufocava, a certeza de a fantasia redimensioná-lo me seduzia. Encontrei a leitura literária como o lugar capaz de me levar a tomar posse da minha fragilidade e de aconchegar a minha incoerência.
Eu via meu pai chegar do trabalho com o rosto exaurido pela repetição do seu cotidiano em longas estradas de terra, transportando manteiga. Não compreendia ainda que Sísifo, ao trilhar o mesmo caminho com a mesma pedra, num trabalho inútil, e condenado a repetir o mesmo percurso, muitas vezes confundia seu rosto com a pedra. Mas a nós, que não desobedecemos a Zeus, nos foi dada a liberdade de escolher o caminho por onde passar com nosso cotidiano. Criar passou a ser para mim um imperativo e quase cheguei a aconselhar meu pai a desviar de rotas para então despetrificar o seu rosto.
Quando professor, em trabalho de pesquisar novas metodologia educacionais, me assustei ao conferir que as crianças desconhecem a fragilidade. Tudo podem. Suas desmedidas capacidades de “fantasiar” colocam o cosmo, com seus mistérios, em suas mãos. A força da fantasia lhes garantia o desmedo.
Meu trabalho, enquanto professor, passou a ser dar asas às fantasias das crianças. Não desprezar a intuição como meio de ler a poesia que circula no mundo veio a ser minha metodologia. Por ser assim, a arte, como sua total falta de preconceitos, guiava nosso convívio. E nós éramos felizes. Eu sabia que o tempo, capaz de trocar a roupa do mundo, se encarregaria de torná-las educadamente frágeis. E para conviver com a fragilidade é indispensável não perder, irremediavelmente, a infância. Jamais a explicação racional esgotará o destino – em movimento – do mundo. Ele sempre será maior que a nossa precária inteligência.
Mas, ao nos apropriar da fragilidade, crescemos em curiosidade e nos desvencilhamos das pretensiosas verdades definitivas. Tornamo-nos ouvintes atenciosos do universo e adjetivamos seus sinais. Todo adjetivo surge de uma escolha interior. Reconhecer que todo conhecimento nos garante a fragilidade me parece o caminho seguro para estreitar relações mais dignas entre os povos. Bergson, ao escrever sobre a definitiva solidão de cada um, nos aconselha a tornar criadora tal solidão, buscando os encontros, as coesões. Tomar posse da fragilidade nos permite as trocas e faz da existência um processo de somas e divisões, com juros sempre lucrativos.
Aprendi em sala de aula que a criança é a mais intensa das metáforas. Não se pode compreendê-la como objeto a serviço do mundo. A tarefa do magistério é paciente e deve esperar que a mais rica das metáforas aflore continuamente. E para tanto a liberdade, somente a liberdade, confirmará que não existe um conceito de criança. E para tanto a liberdade, somente a liberdade, confirmará que não existe em um conceito de criança. Cada criança é um conceito. Cada criança é mais um intenso mistério que nos visita e nos surpreende pela singularidade. Também o homem não tem plural. Assim sendo, o mundo se enriquece, mais e mais, pela soma das diferenças. Preservar a infância é o que de melhor podemos fazer por ela. ao ter a possibilidade de viver em felicidade a infância, a vida se torna breve. Se sobrecarregada de faltas, desrespeito, violência, a vida se torna demasiadamente longa. A alegria vivida, ou a alegria sonhada, é que nos faz desejar um mais longo futuro. Não se ama a vida quando ela só nos agasalha com sofrimento.
Um dia descobri que se eu traçasse o futuro para nortear as crianças, se roubasse delas a capacidade de inventar seus destinos, se priorizasse a lógica formal em detrimento do sonho, eu não seria professor, mas apenas um cigano tirador de sorte, um sujeito investido de deus, capaz de conhecer o futuro dos homens e do mundo. Desrespeitaria os mistérios que fazem da existência um espaço de sustos e revelações e mais me empobreceria ao negar a existência da fragilidade. Educar-se sempre me pareceu ser tomar posse dos limites.
Augusto Rodrigues – que tão bem confirmou a capacidade criativa da criança fundando a Escolinha de Arte do Brasil – me disse, um dia, ser impossível saber qual criança é mais feliz quando está em liberdade criadora. E eu desconheço técnica de avaliação capaz de medir comparativamente a felicidade.
Mas não é fácil para a escola usar, como plenitude, a literatura. A escola faz da literatura um instrumento pedagógico. Ela sempre quer que a criança leia para saber, enquanto a literatura deve ser lida pelo prazer de ler. E, sempre que há sofrimento, na literatura ela surge vestida de beleza. Por ser assim corre-se o risco de a escola empobrecer a arte: querer objetivar aquilo que só dialoga com a subjetividade.
Mas não é difícil compreender sua função quando a escola não deseja ser apenas uma agência repetidora do já acontecido. Ao pretender atuar sobre a transformação do mundo, há que nutrir a fantasia dos educandos. Fantasiar é inerente ao sujeito desde o nascimento. Primeiro atributo para suportar o espanto que é viver. Volto a afirmar que todo real antes passou pela fantasia de alguém. Enquanto sujeitos, nós só nos realizamos quando nos acrescentamos ao mundo sem ignorar nossas singularidades. Acredito na força da literatura como objeto capaz de nos nutrir de coragem.
Não quero aqui ignorar as funções da informação. É preciso conhecer a tradição, as descobertas anteriores, para estarmos convictos de que rompemos com o anterior a nós. Possuímos uma história que não pode ser esquecida.
Mas acredito que uma busca está sendo realizada para ampliar nos educandos as fronteiras da fantasia e da palavra. Todo empenho tem sido feito para que a sensibilidade seja também um objeto de aprendizagem. Daí este nosso encontro. E não há momento mais propício do que este em que vivemos para promover mudanças, buscar novos sentidos, reinventar as novas maneiras para transformar um mundo que muito nos incomoda. Por que não a literatura?



(Batolomeu Campos de Queirós em:
MACHADO, Ana Maria et al. Nos Caminhos da Literatura . São Paulo: Peirópolis, 2007. )

sábado, 24 de abril de 2010

Sobre debates e relatório

Os debates, que sugerimos, devem considerar os objetivos acima, o material apresentado, e ter em mente as vantagens e desvantagens desse material para crianças e jovens, o direcionamento para esse público (infantil/juvenil) ou outro.
O que deverá estar em pauta nessas discussões, não é, em absoluto, o desempenho do grupo que apresentou o seminário. Deverá estar em pauta o posicionamento de vocês frente ao mundo contemporâneo - levando em conta a função e natureza da literatura para crianças, as concepções de arte, as noções de criança que permeiam as diversas produções literárias, de cultura de massa, e o diálogo que estabelecem com a tradição, e entre si.
Evidentemente, considerando a área de estudo de cada um, os postos de observação serão diferentes. Isso enriquece a atividade, considerando que interessa, efetivamente, ao professor as reflexões que podem derivar das aulas propostas e, em especial, a visão de vocês diante do assunto e do nosso objeto de estudo – a Literatura Infantil. Essas conversas podem ocorrer após cada seminário (virtualmente), com registros simples e parciais que serão organizados posteriormente para a entrega.
Os relatórios deverão ser redigidos de forma sucinta, neles deverão constar os nomes dos “debatedores”, a questão debatida ou como foi debatida, algumas conclusões /divergências e a referência teórica que iluminou a argumentação (se for o caso)/ as datas dos seminários.
• SOBRE OS PROJETOS DOS SEMINÁRIOS:
Todos os seminários serão orientados pela professora, que discutirá as leituras em função da especificidade do trabalho a ser realizado pelo grupo ou oferecer novas indicações. Para isso, os integrantes do seminário (ou o coordenador, se assim o decidirem) devem agendar dia e horário. Os plantões da professora estão previstos para as 4ª e 5ª - à tarde. Quando necessário e possível, a professora atenderá em outro horário e outro dia da semana (isto vale para os que têm impossibilidade de comparecer nos dias do plantão).
A tônica do debate e a realização dos primeiros relatórios podem ser discutidas com a professora, se necessário.

• PROVA. Aos que não apresentarem seminários - a prova terá peso (2) dois e os 3 relatórios /debates peso: 1. Para os demais: os seminários terão peso 2 e a prova mais os 2 relatórios terão peso 1.

Grupos de apresentação

GRUPO I- IMAGENS, SONS E SENTIDOS NO UNIVERSO DO VERBAL
(08/04) (Cecília Meireles, Mário Quintana, Henriqueta Lisboa)
Henrique
Érika Bodstein
Valéria Cristina Marchi Ribeiro.


(15/04) (Bartolomeu de Campos Queiroz, José Paulo Paes, Roseana Murray)

GRUPO II- O LÚDICO NA POESIA INFANTIL 3 vagas disponíveis)
Maísa

GRUPO III- CONTATOS E RESSONÂNCIAS : Brasil e África(grupo completo)
Cintia Valente
Raquel de Oliveira
Natalia Maximo
Priscila Marina dos Santos Veiga

GRUPO IV- CONFRONTO CRIANÇA/ADULTO (grupo completo)
Diego Luiz de Figueiredo
Vitor Shimada Hernandes
Daniel Pavani Naveira
Raquel Rosalin

GRUPO V- FOLCLORE/ LITERATURA DE CORDEL ( (3 vagas disponíveis)
Fabiana Aparecida Rocha

GRUPO VI- CANTIGAS, CANÇÕES E POEMAS (grupo completo)Camila Nardoni de Oliveira
Luciano Salem Daie
Cecília Carvalho Ferreira
Bárbara Sesso Carneiro
Radyja Pamela Silva
Rafael Benaque


GRUPO VII- POESIA VISUAL/POESIA EM IMAGEM (4 vagas disponíveis)


GRUPO VIII- CIBERPOEMA (2 vagas disponíveis)
Carolina Lários da Silva
Edimara Lisboa

Cronograma

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – F. F. L. C. H.
LITERATURA INFANTIL/JUVENIL E LINGUAGENS DO IMAGINÁRIO III
Profa. Dra. Maria Zilda da Cunha/Profa. Maria dos Prazeres Mendes
PERÍODO DIURNO/NOTURNO – 1º SEMESTRE DE 2010
“POESIA: Gênese, características da poesia infantil/juvenil de ontem e de hoje.”


I – OBJETIVOS: Contato com a poesia infantil (séc. XX e atualidade); a poética delineando seu receptor; o imaginário; a educação pela arte. O contraponto com a poesia não-infantil.
II – CONTEÚDO: A Poesia Infantil: a função poética da linguagem. Poesia e poema. Tipos de poemas para crianças. Alguns autores: Olavo Bilac, Cecília Meireles, Mário Quintana, Ricardo Azevedo, Sidônio Muralha, Roseana Murray, Bartolomeu Campos Queiroz, José Paulo Paes, Lúcia Pimentel Góes, Ângela Lago, Sérgio Caparelli, Leo Cunha, Manuel de Barros e outros.
III – ATIVIDADES DOS ALUNOS: Aulas práticas com análises de textos (seminários), e prova escrita. Debate: vantagens e desvantagens desse material para crianças e jovens, o direcionamento para esse público ou outro.
IV – CRONOGRAMA:
(04/03; 11/03; 18/03; 25/03)
– Apresentação do programa. Aulas sobre a fundamentação teórica para o estudo/pesquisa da Literatura Infantil/Juvenil.


SEMINÁRIOS

I – IMAGENS, SONS E SENTIDOS NO UNIVERSO DO VERBAL

a) (08/04)
Cecília Meireles: Ou isto ou Aquilo, Cânticos (Moderna); Mário Quintana: Sapato Furado (FTD), Nariz de Vidro (Moderna), Henriqueta Lisboa: O menino poeta. Ed. Global. Antologia Poética para a Infância e Juventude.
b) (15/04) Bartolomeu de Campos Queiroz: Para criar passarinho, José Paulo Paes: O menino de olho D’Água; Roseana Murray: Classificados Poéticos (Miguilim), Receitas de olhar (FTD), Fruta no Ponto (FTD), Artes e Ofícios (FTD)


II – O LÚDICO NA POESIA INFANTIL

(20/04)
Silvia Orthof: A poesia é uma pulga (Atual Editora), Ponto de tecer poesia. (Ebal) e outros da mesma autora. Tatiana Belinki: Limeriques (Formato), Bicholiques, Trimeliques e outros. Léo Cunha: Debaixo de um tapete voador Ediouro), XXII!!: 22 brincadeiras de linhas e Letras. (Paulinas). Clave de Lua (Paulina).


III – CONTATOS E RESSONÂNCIAS: Brasil e África –

(29/04)
Manuel de Barros: Exercício de ser criança (Cia das Letrinhas), Poeminha em língua de brincar (Record), Memórias inventadas da infância (Planeta) I, II, III, Poeminhas pescados na fala de João. Mia Couto (autor africano): O beijo da palavrinha. Ondjaki (autor africano): Há prendizagens com o Xão.
(entrega do relatório envolvendo os 3 primeiros seminários)



IV – CONFRONTO CRIANÇA/ADULTO –
(13/05)
Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa: poemas não dirigidos ao público juvenil, mas que correspondem às suas exigências.


(13/05) Devolutiva e
V – FOLCLORE -
(parlendas, lengas, advinhas) – Ricardo Azevedo, Eva Furnari
(entrega do relatório envolvendo os seminários III e IV)


VI – (20/05) POEMAS/ CANTIGAS/CANÇÕES ...
– Cantigas de roda: Quem canta seus males espanta, Palavra Cantada: Tati, Vinicius de Moraes: Arca de Noé, O poeta aprendiz (Companhia das Letrinhas), Lúcia Pimentel Góes: Poranduba (Ed. do Brasil).


VII – POESIA VISUAL / POESIA EM IMAGEM –
(27/05)
Arnaldo Antunes: Dois corpos ou mais corpos no mesmo espaço (Perspectiva); Sérgio Caparelli: Tigres no quintal (Kuarup), Poesia Visual (Global). Ângela Lago Cântico dos cânticos (Paulinas);


VIII – CIBERPOEMA –
(10/06)
Roseana Murray: site: http://www.roseanamurray.com . Sérgio Caparelli: site: http://www.caparelli.com.br . Ângela Lago:site: http://www.angela-lago.com.br e outros.


(17/06) – PROVA e entrega dos relatórios referentes aos seminários V,VII, VIII.

(24/06) – ENCERRAMENTO: DEVOLUÇÃO DE TRABALHOS E ENTREGA DAS NOTAS.

Início!

Oi, pessoal!
Estou abrindo esse blog para facilitar o acesso ao material que trabalhamos em aula na disciplina de Literatura Infantil III. Pensei em usar o endereço para divulgar as poesias que forem produzidas em aula, produções que acharmos interessantes, e o material necessário para as aulas já que nem sempre os e-mails colaboram!
Escolhi o nome do blog lembrando dos passarinhos que estiveram presentes em nossas aulas passadas... o primeiro de Mário Quintana em:

POEMINHA DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

E o segundo, na aula passada, de Bartolomeu Campos de Queirós, no livro Para Criar Passarinhos que lemos juntos (e que tentarei postar aqui depois). Acho que o título "Criando Passarinhos", ao lermos essas duas poesias, se aproxima muito da proposta que procuramos desenvolver na nossa aula.
Fiquem a vontade para me passar material e sugestões, viu? Eu sou só a organizadora, mas o blog é nosso!!!!!
beijos a todos!