Cecília Meirelles
A poetisa nascida em 7 de novembro de 1901, Cecília Meireles teve de, desde muito cedo, aprender a lidar com a morte. Antes mesmo de nascer, já havia perdido o pai e, com menos de três anos, se viu sem a mãe. Essas experiências acabaram moldando bastante a forma como ela via o mundo e, segundo a própria escritora, essa proximidade com a morte fez com que ela entendesse as relações entre eterno e efêmero.
Em 1919, foi publicado seu primeiro livro de verso, Espectros. Mas a obra que vamos discutir aqui saiu em 1964, mesmo ano em que morreu sua autora. Ou Isto ou Aquilo é um livro voltado para o publico infantil e aborda temas como o cotidiano, as relações com as pessoas próximas e o ambiente que cerca a criança.
O poema-título do livro é um exemplo de como a autora vê o universo infantil e de como a criança, dentro de sua realidade, também tem suas dúvidas e dilemas.
Ou Isto ou Aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
O poema também propõe um jogo de escolhas. De acordo com Huizinga, o jogo pressupõe regras e, além disso, tem inerente a si, uma tensão que mantém aquele que participa imerso em seu contexto. Aqui, o jogador se vê em uma rede de caminhos que se bifurcam, uma vez que é impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo. Seguindo essa regra, se desenha uma tensão na medida em que é preciso estar o tempo todo deixando possibilidades sem desenvolvimento.
Esse questionamento, apesar de ser feito de forma lúdica por Cecília Meireles, é algo muito presente também na dita “literatura adulta”. Um exemplo disso é o conto O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, do argentino Jorge Luís Borges. Isso mostra que a poetisa tinha a percepção de que as crianças são complexas, têm questionamentos e, dentro de suas experiências e fantasias, lêem o mundo e percebem suas mazelas.
Mario Quintana
O poeta gaúcho nasceu em 30 de julho em 1906. Com a ajuda dos pais, aprendeu a ler e escrever e, aos 13 anos, foi estudar no Colégio Militar de Porto Alegre em regime de internato. Foi lá que publicou seus primeiros textos, na revista da escola. Contrariando os desejos do pai, que desejava que Mario se tornasse doutor, o rapaz começa a trabalhar em uma livraria.
Apesar de ter se destacado como poeta, Quintana também foi tradutor e jornalista. Como escritor, chegou a ser premiado por textos em prosa. Seu primeiro livro publicado foi a Rua dos Cataventos, em 1940. Abordaremos aqui o Sapato Furado, uma reunião de poemas publicada em 1994, ano da morte do escritor.
Na edição analisada, feita em 2006 pela editora Global, as ilustrações têm um importante papel no desenvolvimento dos poemas, carregando ainda mais de sentido o texto. O livro é composto por pequenos poemas que mostram bem uma característica da obra de Quintana, isto é, uma linguagem mais infantil, apesar da densidade dos temas.
Quando escreve, Mario se expressa de forma pueril, lúdica, mas que, muitas vezes, trata de temas de cunho mais maduro, como religião, solidão, identidade pessoal e morte. Isso mostra também uma visão interessante sobre o universo das crianças. Talvez não da mesma forma como feito por Cecília Meireles, Quintana vê na criança uma complexidade que, muitas vezes, é ignorada. Dessa forma, apesar de tentar falar em níveis compreensíveis, a forma como certos assuntos chegam ao leitor acabam por não mantê-lo imerso no jogo proposto. Seguem três exemplos retirados do livro:
Ideais
Os outros meninos, um queria ser médico, outro pirata, outro engenheiro, ou advogado
[ou general.
Eu queria ser pajem medieval. Mas isso não é nada.
Hoje eu queria ser uma coisa mais louca: eu queria ser eu mesmo!
O Pior
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem anda com isso.
No Céu
No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos.
E lá é ainda pior do que aqui,
pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo.
José Paulo Paes
Os temas mais adultos também fazem parte da obra de José Paulo Paes. Nascido em 1926, no interior de São Paulo, o poeta trabalhou também como ensaísta e tradutor. Chamado de “poeta magro” por seu estilo conciso, ele também é um adepto da linguagem lúdica e de um olhar irônico sobre a realidade.
A obra analisada foi O Menino de Olho d’Água. Escrita ao lado de Rubens Matuck, ganhou o prêmio Ofélia Fontes de melhor livro de literatura infantil, pela Fundação Nacional do Livro.
Nesse texto, aborda-se a importante questão do meio-ambiente e de sua conservação. Para trazer a criança para dentro dessa reflexão, os autores fazem uso de uma linguagem verbal bem trabalhada, acessível, e de ilustrações carregadas de sentido, especialmente no que diz respeito às cores. O jogo aqui fica a cargo do diálogo entre tons, palavras e a história, que cria um contexto emotivo e intrigante, no qual o leitor se insere.
A mudança da aridez amarela para o azul é feita de forma que texto e desenho caminhem lado a lado trazendo o leitor, parte essencial do jogo literário, cada vez mais para o interior da narrativa.
Henriqueta Lisboa
Também nascida no começo do século, a poetisa mineira teve um papel bastante importante no modernismo brasileiro. Amiga pessoal de Mário de Andrade, é tida como uma das responsáveis pelos rumos tomados pela literatura infantil. Em 1943, publicava O Menino Poeta, obra aqui discutida.
O livro traz em suas páginas poemas que falam do cotidiano da criança. Do berço do bebê até os insetos no jardim, nada escapa à percepção aguda do eu-lírico curioso. Esse tipo de relação com o ambiente mostra o constante jogo pelo qual passa a criança em sua ininterrupta descoberta do mundo.
É possível também traçar um paralelo desse jogo pueril com o fazer poético. É notável que a poetisa busca em seu texto trazer uma linguagem acessível, mas que não seja pobre. Na realidade, a autora se propõe um jogo de descoberta, a partir do momento em que pretende trazer para o poema uma visão infantil. A escolha das palavras, das figuras de linguagem e da forma de se construir as imagens, são uma forma lúdica de desafio que Henriqueta Lisboa se faz, isto é, se colocar no lugar da criança e tentar enxergar as pequenas coisas como eventos inéditos e espetaculares.
Bartolomeu Campos de Queirós
Nascido já no fim da Segunda Guerra Mundial, esse escritor mineiro já ganhou diversos prêmios desde que publicou seu primeiro livro, em 1974. A obra que abordaremos, no entanto, é Para Criar Passarinhos.
Dentre os livros comentados aqui, esse é o menos infantil deles. Na realidade, pode-se enxergar esse texto como um manual metafórico para a prática da poesia, ou – quem sabe – para uma melhor relação com o mundo.
Defensor da linguagem livre e lúdica, Bartolomeu parece desenvolver, de forma bastante sensível, a ideia da liberdade de uso das palavras. Entendendo-se o “criar passarinhos” como escrever poemas, essa tese fica evidente em trechos como “Para bem criar passarinhos é proveitoso ignorar as grades, as prisões, as teias. É bom se desfazer das paredes, cercas, muros e soltar-se. É melhor ainda não dispor de trilhas ou veredas e ter o ar inteiro como um pequeno espaço para a ligeireza das asas.”
A defesa de um olhar “descontaminado” sobre a realidade, isto é, de um olhar livre de preconceitos e que se permite descobrir o mundo a cada instante também é clara no livro. Dessa forma, o escritor despreza formalismos e a priores que acabam por impedir que o poema crie suas asas e ganhe toda a dimensão de sentido que lhe é possível.
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